terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Só a ressaca faz um homem sensível


Por Xico Sá

xicosa@uol.com.br


Segundona sem lei. Sim, a cabeça doi, mas toda ressaca, pensando bem, é de fundo moral. 
 
Não há ressaca somente física. Alguma você aprontou amigo. Minha princesa, tem certeza de que não esculhambou com o pretendente, ainda na pista de dança?

E aquele SMS ali na hora em que cantam os sabiás da madruga? Relaxa, você estava mesmo a fim do rapaz e, que feio, ele mais uma vez fugiu à melhor das lutas. Nada demais, amiga, esquece.

Você esculhambou com o colega da firma, caro Pereira, disse que o mala não tem redação própria. Você fez piadas sexistas, Pereira, não é do seu feitio, meu velho camarada.

Toda ressaca é moral. Algum rastro você deixou pelo caminho. De esterco, é claro, afinal de contas, como diz aquela sabedoria, é fazendo merda que se aduba uma vida. 
 
Você não é disso, de armar barraco no almoço da casa da sogra, mas ouvir o pai dele falar mal de gay em pleno domingo da parada GLBT foi demais, o fogo da correção subiu-lhe às ventas. 
 
Toda ressaca, se for pesada, é também um belo exercício de metafísica. Você fica ali estudando as razões de ser. A conclusão é cruel: bebo, logo existo.

Depois dos 40, no entanto, a ressaca não é mais uma simples doença de rotina. É uma dengue sartreana, uma praga existencialista, um massacre sobre os ossos e os neurônios, que nos leva à fronteira entre o ser e o nada. 
 
Mas a ressaca, amigo, com a sua milagrosa inércia possui muitas vantagens, não vamos demonizá-la em plena segundona.

A ressaca combate, no que pode, a mais-valia –exploração selvagem do patrão, que lhe paga uma merreca e vende o que você faz com um lucro medonho.

No plano sentimental, a ressaca evita, por exemplo, que façamos novas besteiras logo na manhã seguinte. Não dá para se bulir não, doutor, deixa quieto.

De ressaca um homem pede perdão pelo que fez, pelo que acha que fez e por tudo que lhe é atribuído no B.O. do lar doce lar no dia seguinte. Eu acuso! J'Accuse, berra a madame, com mais razão que o Émile Zola no livro homônimo francês.

No fim dos porres, esse estágio pré-sal da ressaca, o macho durão chora e já ensaia o arrependimento –além de beijar na boca os amigos e dizer que todos são os irmãos que ele nunca teve. 
 
O melhor, a felicidade suprema, é quando a mais grave acusação feminina não passa da clássica “você também, seu amador, vai beber sem comer”. Ufa!

Claro que de manhã, só o balde de café como testemunha, você vai ouvir, vagabundo. A gente faz tudo pelo nosso Alzheimer alcóolico, mas elas acordam como um verdadeiro Pró-Memória, tombando tudo, preservando todos os acontecimentos da véspera.

Foi mal, amigo, agarrar “aquela piranha” na frente dela, acontece. Para estas e outras ocasiões de desculpas é que os bravos agricultores de Holambra cultivam latifúndios de flores. Levanta-te dessa ressaca e anda, cachaceiro Lázaro, ela merece todos os bouquets e arranjos do mundo. 
 
É, amiga, só uma aniquilante ressaca, além de um belo ensaio de chifre, é óbvio, humanizam um homem. Digo, tornam o miserável pelo menos mais sensível.

Que a segunda, com ou sem ressaca, lhe seja leve.

2 comentários:

  1. Hoje não é segunda, mas ressaca não tem dia pra acontecer rsrsrs

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  2. é fazendo merda que se aduba uma vida...

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Muito agradecida!